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Prefácio do livro: "Mulheres que correm
com os lobos"
de Clarissa Pinkola Estés.
Por Carolina Lisboa
Todas nós temos anseio
pelo que é selvagem. Existem poucos antídotos aceitos por nossa cultura para
esse desejo ardente. Ensinaram-nos a ter vergonha desse tipo de aspiração.
Deixamos crescer o cabelo e o usamos para esconder nossos sentimentos. No
entanto, o espectro da Mulher Selvagem ainda nos espreita de dia e de noite.
Não importa onde estejamos, a sombra que corre atrás de nós tem decididamente
quatro patas.
“Ela vive no verde que surge
através da neve; nos caules farfalhantes do milho seco do outono; ali onde os
mortos vêm ser beijados e para onde os vivos dirigem suas preces. Ela vive no
lugar onde é criada a linguagem. Ela vive da poesia, da percussão e do canto. Vive
de semínimas e apojaturas, numa cantata, numa sextina e nos blues. Ela é o
momento imediatamente anterior àquele em que somos tomadas pela inspiração. Ela
vive num local distante que abre caminho até o nosso mundo.” (ESTÉS, 1994, pg.
28)
Mulheres que correm com os lobos,
é o livro de uma analista junguiana e que é também cantadora, isso é contadora de histórias. A autora é também
estudiosa de animais selvagens, especialmente os lobos. E são eles que
inspiraram a escrita do livro. Ela afirma que
“os lobos saudáveis e as mulheres
saudáveis têm características psíquicas em comum: percepção aguçada, espírito
brincalhão e uma elevada capacidade para
a devoção. Os lobos e as mulheres são gregários por natureza, curiosos, dotados
de grande resistência e força. São profundamente intuitivos e têm grande
preocupação para com seus filhotes, seu parceiro e sua matilha. Têm experiência
em se adaptar a circunstâncias em constante mutação. Têm uma determinação feroz
e extrema coragem.” (ESTÉS, 1994, pg. 16)
E, então ela diz que tanto os
lobos quanto as mulheres foram perseguidos e reprimidos por àqueles que não os
compreendem. Não da para falar no passado, pois, ainda é comum a matança de
lobos e a repressão com a mulher. Ela pode ser escancarada ou camuflada, em
alguns meios parece até que não existe, mas ela ainda é uma realidade. E, esse
livro não está necessariamente falando sobre no número de mortes de mulheres
por violência masculina, que é de uma mulher a cada uma hora e meia. Ele
refere-se a violência discreta que sofremos dia a dia ao longo de nossas vidas,
quando não sabemos nos impor ou nos darmos valor. Valor, a todos os nossos
aspectos e não só a luz, mas também para nossa sombra, porque sem ela nós somos
incompletas, ao menos por enquanto.
E, nesse livro o resgate é o de
nossa Mulher Selvagem. A autora diz que quando pequena já sentia o amor por sua
Mulher Selvagem, apesar de ainda não a chamar dessa forma. Ela cita que “ a
mesas e cadeiras, eu preferia o chão, as árvores e as cavernas, porque nesses
lugares eu sentia como se pudesse me encostar no rosto de Deus.” (ESTÉS, 1994,
pg. 17)
E não é por acaso que nós estamos
lendo esse texto aqui no Parque da Água Branca, que é cercado de árvores,
animais, barulhos de água, estalos de folhas...(estamos sentadas no chão) é uma
volta ao antigo, ao natural.
O livro é de extrema beleza e eu
gostaria de pedir para ler alguns parágrafos, que perderiam muito se eu fosse
resumí-los.
“A questões da alma feminina não
podem ser tratadas tentando-se esculpi-la de uma forma mais adequada a uma
cultura inconsciente, nem é possível dobrá-la até que tenha um formato
intelectual mais aceitável para aqueles que alegam ser os únicos detentores do
consciente. Não. Foi isso o que já provocou a transformação de milhões de mulheres,
que começaram como forças poderosas e naturais, em párias na sua própria
cultura. Na verdade, a meta deve ser a recuperação e o resgate da bela forma
psíquica natural da mulher.” (ESTÉS, 1994, pg. 19)
“Foi dentro desse relacionamento
essencial, fundamental e básico que nascemos e na nossa essência é dele que
derivamos. O arquétipo da Mulher Selvagem envolve o ser alfa matrilenear. Há
ocasiões em que vivenciamos sua presença, mesmo que transitoriamente, e ficamos
loucas de vontade de continuar. Para algumas mulheres, essa revitalizante
“prova da natureza” ocorre durante a gravidez, durante a amamentação, durante o
milagre das mudanças que surgem à medida que se educa um filho, durante os
cuidados que dispensamos a um relacionamento amoro, os mesmos que
dispensaríamos a um jardim muito querido.” (ESTÉS, 1994, pg. 19)
“Por meio da visão também temos
uma percepção dela; através de cenas de rara beleza. Costumo sentir sua
presença quando vejo o que no interior chamamos de pôr-do-sol divino. Senti que
ela se mexeu dentro de mim quando vi os pescadores saindo do lago ao escurecer
com as lanternas acesas e também quando vi os dedinhos dos pés do meu filho
recém-nascido, todos enfileirados como grãos de milho doce na espiga. Nós a
vemos sempre que a vemos, o que ocorre por toda a parte.” (ESTÉS, 1994, pg. 20)
“Ela também chega a nós através dos sons; da música que
faz vibrar o esterno e que anima o coração. Ela chega com o tambor, o assobio,
o chamado e o grito. Ela vem com a palavra escrita e falada. Às vezes uma
palavra, uma frase, um poema ou uma história soa tão bem, soa tão perfeito que
faz com que nos lembremos, pelo menos por um instante, da substância da qual
somos feitas e do lugar que é o nosso verdadeiro lar.” (ESTÉS, 1994, pg. 20)
“Contudo, são esses vislumbres
fugazes, originados tanto da beleza quanto da perda, que nos deixam tão
desoladas, tão agitadas, tão ansiosas que acabamos por seguir nossa natureza
selvagem. É então que saltamos floresta adentro, em meio ao deserto ou à neve,
e corremos muito, com nossos olhos varrendo o solo, nossos ouvidos em final
sintonia, procurando em cima e embaixo, em busca de uma pista, um resquício, um
sinal de que ela ainda está viva, de que não perdemos nossa oportunidade. E,
quando farejamos seu rastro, é natural que corramos muito para alcançá-la, que
nos livremos da mesa de trabalho, dos relacionamentos, que esvaziemos nossa
mente, viremos uma nova página. Insistamos numa ruptura, desobedeçamos as
regras, paremos o mundo, porque não vamos mais prosseguir sem ela.” (ESTÉS,
1994, pg. 20)
“Quando as mulheres reafirmam seu
relacionamento com a natureza selvagem, elas recebem o dom de dispor de uma
observadora interna permanente, uma sábia, uma visionária, um oráculo, uma
inspiradora, uma intuitiva, uma criadora, uma inventora e uma ouvinte que guia,
sugere e estimula uma vida vibrante nos mundos interior e exterior. Quando as
mulheres estão com a Mulher Selvagem, a realidade desse relacionamento
transparece nelas. Não importa o que aconteça, essa instrutora, mãe e mentora
selvagem dá sustentação às suas vidas interior e exterior.” (ESTÉS, 1994, pg.
21)
“Portanto, o termo selvagem neste contexto não é usado em
seu atual sentido pejorativo de algo fora do controle, mas em seu sentido
original, de viver uma vida natural, uma vida em que a criatura tenha uma
integridade inata e limites saudáveis. Essas palavras, mulher e selvagem, fazem
com que as mulheres se lembrem de quem são e do que representam. Elas criam uma
imagem para descrever a força que sustenta todas as fêmeas. Elas encarnam uma
força sem a qual as mulheres não podem viver.” (ESTÉS, 1994, pg. 21)